quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

DE AÇO E DE DÓ !


 
 DE QUE FIBRAS VOS FIZERAM?

Hoje, dia nublado, nublaram-se também os meus olhos, quando olhei dentro de mim, e abri meu baú de lembranças.

Não são somente saudades que molham assim os meus olhos, são fatos da vida que, retornando, me dizem mais que as lembranças!

Falei do calor desta noite, comparei com as noites tão quentes, em que dormíamos com as janelas abertas, muitas vezes, colchões na varanda, e ainda assim, o corpo na cama era quente!

Esse foi o início da prosa, inda agora na varanda, eu e Alcides lembrando, dos tempos idos. Sempre se ouve falar que coração de pai e mãe não tem tamanho, mas qual seria o tamanho dos vossos corações nesses dias que se foram?

De que fibras vos fizeram, Iracema e Anísio?

Pergunto-me todo dia, se herdei um pouco disso, não me vejo momento algum lutando a sua luta. Até porque era muito mais que uma luta, era uma abnegação sem tamanho!

Dizem também os antigos, que mães não sabem o que é o prazer de saborear seu pedaço de frango, preferido, no almoço de domingo, pois serve seu prato, sempre, após servir toda a família.

Não consigo entender, nestas minhas lembranças doídas, como conseguiram fazer o milagre da multiplicação. Já éramos tantos à mesa, e mesmo assim, sempre chegava mais um.

E não ficava por aí a tal magia que tudo multiplicava, o mesmo se dava à noite, quando mesmo muito cansados, a todos acomodavam, e as visitas que chegavam.

Naquele tempo, não víamos essa parte que hoje me vem à memória.

Não tenho as lembranças tristes, porque a ilusão se fazia presente, como a mágica da multiplicação dos pães.  Quanto terá vos custado?

Mas essa vida vivida me trouxe por tantos caminhos, que olhando para traz, hoje vejo o que seus sorrisos velavam.

Tantos momentos difíceis, tantas noites não dormidas, tantas palavras caladas, tantos sorrisos chorados, tantos olhares de cumplicidade, tanta servilidade oferecida, tantos sorrisos promovidos, tanta alegria doada!

Veio-me agora à lembrança, do tempo sem geladeira, um tempo de muita penúria, ainda assim, a magia acontecia...

 Chegou à casa uma geladeira, linda de encher os olhos, e dentro, tudo de bom e não me esqueço... tinha azeitona!  Preciso falar da alegria?

Agora meus olhos nublados, viraram rios caudalosos e ainda têm a companhia do nó em minha garganta, que interrompeu nossa prosa.

De que fibras vos fizeram?

Mas nada durava para sempre, tudo era muito difícil e o sonho não cabia na vida real daquela família!

Lá se foi a geladeira, um belo dia, de volta, por falta de pagamento.

Mas a vida continuou, acolhendo os que chegavam...

Sempre tinham mais à mesa do que a comida que havia.

Então, me pergunto outra vez, fostes feitos de que fibra?  Pois não me vejo assim, fazendo as suas mágicas, nem multiplicando o pão, em nenhuma ocasião.

Será?  Pergunto-me de novo,

Que lágrimas, dor e insônia, fortalecem e transformam, a ponto de não viver,

Vivendo a vida dos outros?

De que fibra meus queridos,

De que fibras foram feitos?

Com certeza...

De aço e de dó!

E os forjaram no calor emanado do seu próprio coração!

 Irani Martins
  04/02/2015

O MEU LAR SOU EU MESMA,

O MEU LAR SOU EU MESMA,
E O LEVO AONDE VOU...

Não importa onde moro,
Se no castelo ou casebre,
O meu lar é o que carrego,
Dentro de mim construído,

Aqui chegam sem bater,
Não há trancas a proteger,
Me escolhem como morada,
Para sempre ou temporada,

Meu coração é assim...
Um lar para você e para mim,
Tem  os que sentam e brincam,
Os que  demoram e ficam,
Há os que se energizam e  vão,
Deixando gravadas suas marcas,
Nas veias  do coração.

As paredes do meu  coração,
Traz um mapa de rachaduras ,
Cicatrizes das feridas,
De todos os que se foram,
Sem se importar com a cura.


Mas há também margaridas,
Pintadas com doces mãos,
Que são carinhosas bandagens,
Dos que deixaram saudade,
sarando minhas feridas.

Mas há nesse lar coração,
Que trago, dentro de mim,
Sem me importar onde aporto,
Se seguro ou com conforto,
Um imenso espaço sem fim,
Para acolher a você e a mim.

O meu lar,
Sou eu mesma,
Anda por onde eu o levar,
Se quiser morar comigo,
Não há portas, pode entrar.

Irani Martins

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

FÉRIAS DE MIM...


Resolvi tirar férias de mim...
Sei que não posso sair de férias remuneradas, muito menos tenho trinta dias de descanso, mesmo que fracionasse em duas vezes.
Mas  decidi...
Que por uns dias, e se não desse, um dia que fosse, não seria nada rotulado, apenas eu mesma.
Assim como nasci...
Bem, nasci filha de minha mãe, mas ela já não está aqui, e somente ela poderia me cobrar esse rótulo.
Decidi que no dia seguinte acordaria sendo apenas EU.



Como seria isso?
Não me lembrava de ter vivido um dia assim.
Sem compromisso algum, com quem quer que seja!
Imaginei criar um roteiro de atividades e diversões...
E se aparecesse alguém precisando de mim, adiaria minhas férias por mais um dia, e isso apenas aumentaria minha expectativa e meu ensaio.

Tanto tempo vivendo para todos, que não conseguia começar a programação.
Resolvi deixar ao acaso, o novo dia.
Sabia com certeza  que iria ler um bom livro, ver um filme, que há muito esperava ver, e vinha adiando.
Assim, comecei o meu dia de princesa!
Acordei sem olhar o velho relógio.
Tudo era silêncio, apenas minha alma cantava a liberdade.
Tomei um banho, me arrumei para mim mesma, sorrindo frente ao espelho, e saí em busca do meu filme, tão esperado.

Aproveitei e passei para comprar uma pipoca de micro-ondas, uma revista, um luxo há muito esquecido, e aluguei o filme que queria.

Sentei-me confortavelmente e abri o livro “O Arroz de Palma" de Francisco Azevedo e comecei a minha leitura.
O livro fala de família, de relacionamento, de amor, enfim... de tudo o que venho vivendo ao longo desta minha vida de rótulos, como tenho dito, por ser mãe, esposa, avó, irmã, filha, e todas funções de dedicação total.
Nem bem li dez páginas, as lágrimas de emoção, já embaçaram meus olhos, impedindo que prosseguisse a leitura.

Dei uma pausa, e resolvi andar um pouco pela casa vazia.
 Fiz um lanche, me deitei um pouco, e acabei dormindo.
Acordei e dei uma volta pelo quintal...

Até aqui sorria por dentro!
Um dia inteiro de descanso, tranquilo, e todo para mim.
Voltei, fiz minha pipoca de micro-ondas, sabendo que não  haveria ninguém a me censurar pelo excesso de sal ou de gordura, e fui ver o filme "Casamento Grego", e lá vêm de novo, a emoção, as lembranças, embaçando o brilho das minhas  "férias de mim"!
Nem consegui comer a pipoca sem chorar de saudade.
 


Agora, o próximo passo é o programa para o segundo dia...
O segundo dia...
No segundo dia...
Penso que será feito de silêncios, de ouvir apenas minha própria respiração e os zumbidos dos meus ouvidos.
Saberei lidar com o silêncio nos intervalos, entre uma e outra coisa a fazer?
Porque agora, aqui, me dei conta, de que não sei de outras coisas a fazer sozinha.
Nunca vivi sendo apenas EU, sempre vivi sendo NÓS.
E agora, não sei o que é ser isso...
Pensei que seria cheio de MIM, e me vejo perdida sem as outras metades da minha vida.
Pensei que nunca os deixasse sós, por cuidado, e que suas exigências não deixavam espaço para ser eu mesma.

E meu programa de férias está parado no segundo dia.
Eu sou um composto de rótulos, que conquistei ao longo da vida, e julguei ser um peso, até que fiquei frente à TV com meu saco de pipoca, e a garganta travada, segurando um choro, que se saísse preencheria o segundo dia das férias.

E as "férias de mim" ficaram assim...

Durou 24 horas de muita saudade!
Saudade de tudo!!!!


Não são eles que me atam às suas vidas.
Sou eu que me anelo a eles, para ser completa.
Eles se vão...
Eu fico e vou.
Estou cá e estou lá, onde eles estiverem.
Eu nunca os deixei...  Não por eles...
Por mim mesma!!!!!

Irani Martins
02/02/2015